Trabalhei durante toda a minha vida no mercado de tecnologia e produtos digitais. Eu sempre participei de comunidades, cuidava de várias iniciativas e principalmente participava ativamente de fóruns, meetups, eventos e palestras dentro de empresas ou mobilizando grupos que estavam com vontade de mudar o mercado. E um assunto que sempre surgiu foi a contratação de pessoas que estavam iniciando na área.

Meu início não foi muito difícil, mas eu tive que começar duro para conseguir um lugar ao sol. Me submeti a ganhar R$185, como estagiário, para entrar em uma agência em São Paulo e a partir dali eu tracei minha carreira. Eu encorajo a ideia de que você pode e deve trabalhar de graça ou quase de graça para adquirir experiência. Eu sempre lidei com a situação de ganhar pouca a grana em um momento de desenvolvimento, como investimento. O melhor curso é trabalhar em uma empresa, fazendo um projeto que existe, resolvendo problemas para pessoas que realmente usam seu trabalho.

Quando estamos começando a carreira, é necessário prestar atenção em muitos pontos que não apenas a capacitação técnica. Quando entramos numa empresa, a grande oportunidade que temos é de aprender como os mecanismos da empresa funcionam. Como as comunicações se dão, quais as alavancas de crescimento, quais áreas tem mais intersecção com o seu time, qual o perfil dos seus líderes e principalmente das pessoas que eles têm um relacionamento. É importante saber como a empresa ganha e perde dinheiro e quais as dinâmicas do mercado que ela está inserida. Você não vai aprender a como impactar os indicadores de negócio lendo GitHub de projetos open source. Embora isso seja importante para sua parte técnica. A preocupação com o seu conhecimento técnico deve começar muito antes de entrar nas empresas que selecionou, mas na minha opinião, assim que você entra em uma empresa, seu foco não pode ser apenas crescimento técnico.

E isso não serve apenas para pessoas que entraram agora no mercado. O seu conhecimento técnico é commodity. O que vai te diferenciar do resto é o que você conhece além. É como você conecta o seu conhecimento técnico com outros assuntos da empresa. É aí que você se transforma em alguém estratégico para a empresa. Saber programar ou saber gerir backlog de produto são conhecimentos técnicos que qualquer um pode ter. Mas entregar resultados para empresa a partir do seu código, solucionando problemas reais e priorizar de maneira que potencialize as entregas dos times, são coisas valorizadas.

Mas isso tudo você só aprende se houver suporte. Suporte não apenas das empresas, mas também dos pares e times. E aqui é o ponto que eu queria entrar. Contratar juniors não é fácil do ponto de vista das empresas. Exatamente por que as empresas e quem contrata, geralmente, são confusos e não estão conectados com o resultado dos times. Eles têm um número de vagas que precisam preencher e pronto. E quando isso acontece, juniors são colocados em times e empresas que tem uma desconexão com o seu propósito ou objetivo profissional. Para mim, são dois fatores importantes que precisam existir nas empresas para que o junior não apenas seja contratado, mas que haja evolução contínua:

  • Suporte e acompanhamento de progressão técnica e de carreira;
  • Entendimento do Timing da empresa;

Existem vários outros pontos importantes que não quero abordar agora. Quero dar pitaco apenas nesses dois.

Suporte e Acompanhamento

É necessário que o plano contemple como os integrantes mais experientes irão dar o suporte e o acompanhamento necessário para que a pessoa entenda como a empresa funciona. Geralmente é uma boa ideia ter uma pessoa que vai ser o acompanhante dessa pessoa durante sua jornada de crescimento e outra pessoa que será seu mentor técnico. São duas figuras que podem ajudar a novata a entender os dois aspectos que eu citei no início do texto. O acompanhante vai ajudar o a novata a entender a estrutura da empresa, seus processos, áreas, objetivos de longo prazo e cultura. Já o mentor irá ser seu responsável pelo crescimento técnico, ajudando a tapar os gaps que existem no seu repertório técnico, preparando o campo para que a pessoa consiga absorver conhecimentos mais complexos e consolidando conceitos importantes para estabelecer uma base sólida para aprendizados futuros.

Sem suporte da empresa, não é confortável para a pessoa junior trabalhar ali. Já uma série de pessoas que haviam acabado de chegar da faculdade perdidas e estagnadas na empresa, sendo tratadas como um profissional já experiente. Um junior, não é só aquele que tem conhecimento técnico no início, mas também, muito provavelmente, não trabalhou em outra empresa anteriormente. Então, processos e estruturas da empresa são totalmente desconhecidos.

O suporte da empresa deve existir desde a seleção das pessoas até o fim do período de promoção e experiência.

Sobre o timing da empresa

Eu não acho que todas as empresas devem sempre ter oportunidades para juniors. Se você está procurando um emprego agora e é junior no mercado, procure conhecer o timing da empresa.

Exemplo: vai ser difícil para uma startup que precisa desesperadamente de hyper growth e vai fazer isso queimando caixa para crescer, contratar juniors para potencializar esse crescimento. Vai ser necessário ter pessoas mais experientes para fazer as coisas rápido para termos resultados imediatamente, mesmo que essas coisas sejam refeitas posteriormente. Mas as pessoas experientes vão saber quais trade-offs fazer agora e o quanto do futuro está sendo comprometido com débitos técnicos.

Entendo que pode existir um momento e empresa certas para trabalhar como junior. Aquelas empresas que já estão em uma velocidade de cruzeiro, geralmente têm ambientes mais controlados e bem estáveis para que juniors consigam ter tempo para pensar, conectar e se adaptar ao ambiente. Geralmente essas empresas tem um equilíbrio de crescimento e sustentabilidade do que já existe, por isso conseguem estabelecer suporte e acompanhamento necessário para o crescimento do junior.

Outro ponto é que empresas devem fazer uma seleção muito criteriosa sobre quais juniors ela quer contratar. Não apenas por causa do nível técnico, mas principalmente pelo fit cultural e propósito de carreira e pessoal. E de novo: a pessoa junior muitas vezes não tem experiência profissional por que não trabalhou em muitas empresas desse mercado anteriormente. Ela não conhece ainda e nem sabe avaliar qual é a cultura. Essa parte de conexão de cultura, propósito do negócio com o propósito pessoal é importante, por que o junior precisa passar muito tempo em um lugar para adquirir e cristalizar os conhecimentos que serão aprendidos ali. Não faz sentido um junior ficar saltando de empresa em empresa. Não é inteligente.

Existem pessoas que se darão melhor em mercados mais nervosos e agressivos, outras pessoas que se darão melhor em mercados menos dinâmicos e mais humanos. Outros querem um lugar muito meritocrático e hierárquico, outros vão preferir lugares mais orgânicos e descentralizados. Essa avaliação é importante para preservar o junior e proteger a cultura da empresa no médio prazo. E se você é junior, faça uma avaliação para entender qual o seu perfil. Isso tira muito da carga de insegurança que é natural no início.

Concluindo

Não. Não é fácil ser júnior e nem é fácil contratar sendo empresa. Aqui eu abordei muito brevemente só alguns poucos pontos que envolvem esse assunto que é super importante e necessário. Para que o Brasil cresça, é necessário investir em formação em tecnologia. E não apenas em programação, mas também em todas as outras áreas.

Esses dias um grupo de pessoas escreveram um manifesto para o mercado de tecnologia. Eu acho que toda iniciativa é boa por que gera discussão e conversa. Mas eu tenho um ranço natural contra esse tipo de iniciativa. Principalmente quando a iniciativa não vem do grupo que será beneficiado. Outro ponto é que o manifesto precisa ser discutido e escrito colaborativamente ou pelo menos ter uma participação, mesmo que mínima, dos grupos defendidos como um todo, além de outras empresas do setor. Mas eu sei que isso é difícil de acontecer também... por isso prefiro ficar na neutralidade.

Ser você é uma pessoa junior, entenda que você é dona(o) da sua carreira. Escolha bem o mercado que vai trabalhar, depois faça uma seleção das empresas desse mercado com os parâmetros que mais lhe agrada. Seja bastante especifica(o) quanto a cultura e formato de trabalho que você quer participar. E aí sim, só depois, procure oportunidades dentro dessa lista selecionada. Não saia atirando para todos os lados nem entre em uma empresa para ficar só um tempo pequeno e depois ir para outra. Se você escolher uma boa empresa, de acordo com os seus parâmetros pessoais, você com certeza vai ficar tempo suficiente dentro da empresa para construir algo importante e a empresa também vai te valorizar por isso. Mas só você vai saber o tempo de investimento que você quer dar para o seu crescimento.

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