Os produtos digitais estão sob as mesmas (ou quase) regras de marketing que os
produtos físicos. Mas isso tem mudado e evoluído. A sua interface, não vale mais
nada. Onde está o valor do seu produto?

Quando falamos sobre o que é valor em produtos, seja eles digitais ou não, nós
aprendemos o dispositivo básico e antigo que rege o marketing até hoje: o valor
está no bem adquirido. Ou seja, o valor é possuir uma Ferrari, ou possuir um
iPhone (os dois tem preços equivalentes).

Isso fica bem claro em propagandas como essas. O valor está em possuir uma faca
que corta carne e tubos de cobre. Toda a base do marketing está atrelada em
criar uma necessidade nas pessoas e amplificar o valor de uma determinada
solução.

Mudanças no jeito de pensar

O marketing passou por várias mudanças em processos, fundamentos e suas
proposições até chegar no que é hoje.

Entre 1800–1920 era a época em que o valor se encontrava em possuir coisas.
A medição do status e também da riqueza era medida pela aquisição de coisas
tangíveis, por assim dizer.

Essa época é bastante conhecida como clássica ou neo-clássica. Foi aqui que a
“sociedade de consumo” basicamente nasceu ou pelo menos ficou mais exposta.

Nesse meio tempo também foi ficando cada vez mais comum embutir o valor nos
produtos por meio do seu processo de manufatura e até de distribuição. Esse tipo
de abordagem é feito até hoje por algumas empresas, como a Apple. Perceba que a
Apple sempre mostra como foi difícil a pesquisa por um novo material para formar
o corpo dos seus notebooks ou como as lojas da Apple cresceram e ficaram mais
bonitas e aconchegantes. Isso tudo faz com que o produto se destaque e ganhe
valor perante os concorrentes.

A partir de 1950 o marketing se modificou um pouco e passou a focar suas
decisões nas necessidades e desejos dos usuários. Por isso, os pontos de
esforços das empresas como vendas, propaganda

  • gestao e lideranca de produtos, precificação
    e distribuição eram focados em sanar as necessidades e desejos dos clientes.
    Muito por isso, pesquisas, análises e entrevistas de campo ficaram mais comuns,
    exatamente para tentar entender o comportamento das pessoas perante o produto
    vendido, afim de vender certo e melhor.

Mas já entre 1980–2000 a galera começou a ficar mais esperta. Nesse momento
a gente já sacou que o marketing se transformou num processo social e econômico.
Em um ambiente que enaltece o consumismo, o marketing molda a sociedade e
movimenta toda a economia, influenciando uma sociedade que mede o status é pelo
preço que se paga nos produtos, que o valor do produto pode ser medido apenas
pela essência intangível que a marca carrega.

O valor está no uso?

Um dos debates que aconteciam nos corredores dos bastidores do marketing era centralizada em uma questão que é até certo ponto é bastante filosófica: se o valor era colocado nos produtos por meio dos processos de produção, distribuição, manufatura e etc, como o marketing contribuía para agregar mais valor ao produto? Até então o marketing amplificava as características do produto, tornando-o mais desejado, e adicionando valor durante o processo de manufatura até a distribuição.

É aqui que a discussão começa a ficar muito mais importante, porque os
estudiosos começam debater mais sobre a utilidade do produto.

“What is needed is not an interpretation of the utility created by marketing,
but a marketing interpretation of the whole process of creating utility.” —
Alderson

Wroe Anderson foi um dos teóricos do Marketing que pregava que o valor dos
produtos estava no seu uso. Então, o valor não apenas criado ao adquirir e
possuir o produto, mas principalmente no momento do seu uso, que era onde o
usuário percebia o valor do produto (taí o termo valor percebido), seja
satisfazendo um desejo ou suprindo uma necessidade qualquer.

Com o advento do digital, esse olhar fica muito mais exposto e importante.
Quando adquirimos a assinatura do Spotify, nós não estamos comprando as músicas
ou os CDs dos artistas, mas nós estamos comprando a possibilidade de acessar
esse material.

Ter coisas começa a ser algo irrelevante

Vivemos numa época onde ter coisas começa a ser irrelevante. É uma tendência
que os mais jovens e as próximas gerações tenham menos coisas — como carros por
exemplo

— porque os comportamentos mudaram.

Isso significa que o valor está muito mais no serviço prestado do que no produto
em si. O produto, nesse momento, passa a ser um meio de execução do serviço.
Quando compramos uma furadeira, por exemplo, na verdade nós estamos comprando
um furo na parede ou pelo menos a possibilidade de ter furos na parede a hora
que quisermos. Ou, quando se compra um carro — objeto esse que altamente
balizado pelo status e desejo — você compra na verdade a possibilidade de ir e
vir com conforto.

E se você pudesse ter a possibilidade ter furos na parede sem realmente ser
obrigado a comprar uma furadeira, ou poder ir e vir sem realmente ter um carro?

O valor do seu produto digital está no serviço

Esse pensamento é o que tem dominado grande parte dos produtos digitais. O
produto de verdade do Spotify não é sua interface no mobile ou no desktop, mas a
possibilidade que ele te dá de ouvir as suas músicas a qualquer momento. E você
pode não precisar de um aplicativo no celular para ouvir seu Spotify, dado que
os canais, ambientes e momentos para ouvir músicas podem variar.

Logo, o que vai definir se você usa Deezer, Spotify, Music, Tildal ou qualquer
um outro, é a experiência de usuário (UI/UX muito, mas muito relevantes aqui) e
também o serviço expandido que eles prestam (por exemplo: ter a possibilidade de
ouvir músicas em qualquer lugar não necessária partindo de um celular ou do
Desktop).

The importance of physical products lies not so much in owning them as obtaining
the services they render. — Philip Kotler — 1977

Geralmente somos apaixonados pela solução e não pelo problema

Nesse sentido, o principal erro dos Product Managers é pensar que seu produto é
a solução, quando na verdade o seu produto faz parte da solução. Há uma grande
diferença aqui.

Normalmente nós nos focamos em construir uma solução que resolva um problema
específico, mas não temos uma visão macro das coisas. Todo mundo se sentiu gênio
quando descobriu que a 99 ou o Uber não queriam substituir os taxis, mas sim
modificar a mobilidade urbana. Transformar a mobilidade é um problema muito
importante de se resolver, que tem uma série de caminhos fáceis e difíceis.
Muito por isso patinetes, bicicletas, carros compartilhados e outras
alternativas estão nascendo.

Esse é mais um motivo pelo qual os devs

  • design, PMs e todos os profissionais que
    criam produtos digitais devem colocar o usuário em primeiro lugar, analisando
    bem seu comportamento e formas de uso do serviço. Entender suas necessidades
    deixa de ser só um lema bonito e passa a ser obrigatório. Essa é a diferença
    entre ser “user oriented” e “user centric”.

Nesse mundo onde o serviço impera, o valor é co-criado com o usuário em vez de
ser agregado à interface de software ou preso em algum tipo de dispositivo.

Mas a experiência faz parte do serviço

Lembra-se que um dos pontos importantes que o marketing usava para embutir valor
nos produtos finais era afinando e melhorando os processos de distribuição e
manufatura? Pois é… Com produtos digitais isso não muda.

Embora o valor esteja no serviço mais que no produto em si, o comportamento do
usuário é altamente influenciável pela interface e pela tecnologia usada. Um
produto digital com uma interface ruim, com uma jornada e experiência de usuário
mal feita, com problemas de infraestrutura ou com uma programação sem qualidade,
influencia e muito a forma com que os usuários usam o serviço e é sim ponto
principal para a troca de fornecedor, já que nesse mundo digital, trocar de
serviço é tão simples quanto respirar.

Quantas vezes você não xingou o GPS do Uber ou qualquer outro aplicativo que te
deixou na mão?

Mas essa é uma outra história. O artigo já ficou longo e se você chegou até
aqui, não deixe de dizer o que achou.

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