Eis o Segundo Cérebro Um manual de referência sobre gestão e liderança de produtos digitais.
Produto como Plataforma
Não ser plataforma tecnológica não é opção hoje em dia. Grandes empresas só conseguiram controle e escala criando mecanismos que transformaram seus serviços em grandes plataformas que conectam pessoas e empresas.
Sejamos francos, existem duas épocas claramente distintas na humanidade: o antes e o depois do mp3.
O mp3 é um formato de áudio digital desenvolvido na Alemanha no final de 1980. A ideia era que as pessoas tivessem um formato que possibilitasse ouvir músicas em alta qualidade, mas com um arquivo digital muito pequeno, de forma que você pudesse ter todas as suas músicas no formato digital, em vez de milhares de pilhas de CDs.
Depois que o mp3 surgiu, ele se transformou em um fenômeno. Aqui no Brasil (e no mundo), aparelhos que tocam mp3 começaram a surgir por todo o canto.
"Ripar" CDs era um termo comum e praticamente um novo hobby para os aficcionados. Eu mesmo passava horas "queimando" meus CDs, organizando os nomes das músicas, organizando pastas, procurando na internet as imagens das capas (covers) e as letras das músicas. Todo mundo tinha seu Winamp bem configurado e personalizado.
Essa facilidade do mp3 também abriu portas para a pirataria. Kazaa, Napster, eMule, Limewire e vários outros eram as portas de entrada para um mundo totalmente novo de acesso ao entretenimento musical (e outros assuntos). Pelo fato de o mp3 ser um arquivo tão pequeno, era muito fácil, até mesmo para conexões lentas, encontrar e baixar discografias inteiras de artistas na internet. Foi aí que a indústria fonográfica passou por sua maior crise.
Com o alto preço dos CDs e praticamente nenhuma inovação tecnológica ou mudança drástica no modelo de distribuição e de negócio, o mp3 combinado com a pirataria passou o rolo compressor nessa indústria tradicional, forçando todo um setor a repensar a forma com que seus negócios eram feitos. Logo em 2001 uma série de processos legais partindo da indústria fonográfica juntamente vários artistas fecharam Napster, que na época, simbolizava todo esse movimento libertário e revolucionário que levou uma nova forma de lidar com nossas músicas prediletas. Neste mesmo ano, a Apple lançou a primeira versão do iTunes.
O iTunes surgiu como uma alternativa para ouvir músicas de forma legal, real e oficial, ao mesmo tempo com o preço justo. Existe toda uma história interessante sobre as negociações que o Steve Jobs fazia com as gravadoras pessoalmente, mostrando como esse mercado era cabeça dura. Mas a distorção da realidade do Steve Jobs era maior que a teimosia do mercado e todos os arranjos foram feitos para que o iTunes pudesse ser um marco na história.
Inicialmente o iTunes surgiu para ajudar a organizar as músicas digitais que você já tinha extraído dos seus CDs. Inclusive, ele até ajudava neste processo. No início, era moleza, mas depois, começou todo o processo de estabelecimento de DRMs e afins. Mas em 2003 a Apple lançou a iTunes Store, vendendo músicas por USD$ 0,99. Aí o resto é história. O iTunes foi a fagulha inicial para o iPod e posteriormente para o iPhone.
Eu seria muito injusto se não citasse aqui o Pandora. Em 2005 o Pandora foi talvez o primeiro serviço de streaming de música, que de certa forma inspirou todos os serviços que conhecemos hoje. O funcionamento era bastante simples: o Pandora funcionava como uma rádio personalizada, onde ele recomendava músicas de acordo com os gostos dos usuários.
O MySpace apareceu, mas foi embora relativamente rápido. No linguajar de hoje, diríamos que o MySpace não soube encontrar o seu Product Market Fit. Alguns serviços bem legais (que uso até hoje) como o Last.fm, que embora existam até hoje, caíram no esquecimento geral, não sendo tão fortes ou úteis como antigamente. A única certeza é que desde então a indústria fonográfica, na minha opinião, não conseguiu retomar totalmente o domínio de antes.
Todas essas iniciativas abriram portas para novas ideias que transferiram boa parte da autonomia que as grandes gravadoras controlavam para outras empresas e principalmente para os artistas. Ficou escancarado que esse mercado era controlado de forma abusiva pelas gravadoras. Toda a cadeia, desde a manufatura até a distribuição das músicas era controlado e bem arranjado pelas gravadoras que geralmente até detinham os direitos autorais das músicas distribuídas.
Vendo todo esse movimento, diversos artistas começaram a tentar trabalhar longe desse controle autoritário das gravadoras, tendo em vista a grande possibilidade de estar mais próximo do seu público, sem intermediários. Vide Radiohead, que em 2008 liberou online o álbum In Rainbows no formato "pague o que quiser”.
É no meio dessas reviravoltas que o Spotify surge em 2008. Uma empresa baseada em Estocolmo começou com 50 milhões de faixas, no modelo freemium, onde você poderia ouvir músicas de graça, com propaganda e tudo fora de ordem. Mas foi só em 2011, com o lançamento nos Estados Unidos, que o Spotify virou um verdadeiro fenômeno.
Mas por que ele e não outro serviço? Vários outros, como citamos, já faziam streaming de músicas, com funcionalidades, experiências e com um acervo de música tão bom quanto o do Spotify, mas que não perduraram e não evoluíram de forma estruturada.
Vários motivos fizeram o Spotify ser o que ele é hoje, inclusive o bom timing de lançamento, toda a progressão de maturidade do mercado e a promessa desbloquear o potencial criativo humano dando a milhões de artistas a oportunidade de viver da sua arte, dando a oportunidade a bilhões de fãs de curtirem e se inspirarem.
Nossa missão é liberar o potencial da criatividade humana, dando a um milhão de artistas criativos a oportunidade de viver de sua arte e bilhões de fãs a oportunidade de desfrutar e se inspirar por ela . – Texto do próprio Spotify sobre sua missão[1]
Mas a sua progressão estrondosa só foi possível por causa da estruturação e visão de não apenas criar um app de streaming de música, mas uma plataforma que possibilitasse artistas a exporem seu trabalho e a fãs ouvirem esses trabalhos.
Modelo linear tradicional
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