TODOS os líderes, diretores, CEOs deveriam ler esse livro, e nem precisa ser o livro inteiro, mas pelo menos o segundo capítulo. Reinventando as Organizações de Frederic Laloux é sem dúvida um livro para guardar na cabeceira como  referência sobre estruturação de times, cultura corporativa e gestão de pessoas.

Percebi com esse livro que tudo o que eu sei e tento executar sobre gestão baseada em empoderamento nas pontas, autonomia e alinhamento são apenas fragmentos. Esse livro me ajudou a criar um racional mais linear, coerente e claro sobre gestão flat. Pra falar a verdade, eu ainda não acredito muito em formatos de gestão sem hierarquia, não porque eu ache que não funciona, mas por que aqui no Brasil, ainda, não temos maturidade pra isso. E a maturidade não existe em nenhum dos níveis da empresa, começando pelos funcionários e indo direto para os altos escalões.

Esse tipo de gestão orgânica, é uma resposta criadas contra exatamente ao modelo atual de gestão popular altamente hierarquizada, que gera diversos conflitos de interesse e é totalmente te descompassado com as emoções, psicologia e comportamento humano. O livro do Frederic Laloux simplesmente juntou em apenas um livro tudo o que eu tento praticar no dia a dia com times locais, em doses homeopáticas. E precisa ser em doses controladas, por que as pessoas não estão preparadas e nem sempre há autonomia necessária. Por isso é algo que não precisa ser feito 100%, mas você já consegue ver resultados positivos misturando os modelos: mantenha a hierarquia, mas delegue as decisões aos poucos para as pontas, até que todos aprenderam a usar autonomia e tenham segurança para praticar.

Estamos presos no modelo tradicional

O tipo de gestão que é aplicado hoje nas empresas, inclusive nas startups de tecnologia que se dizem com times autônomos auto-organizados com pessoas empoderados, me parece ser bastante inconveniente, colocado ali apenas por que faz parte desse tipo de cultura “moderno descolado”. Todos tentam fazer só por que o manual manda e não para resolver realmente a forma que as pessoas se relacionam com o trabalho e consequentemente com os resultados da empresa. Eu sei que essa crítica pode ser bastante mal interpretado, mas eu nunca vi nenhuma empresa realmente tentar, de verdade, aplicar um tipo de gestão onde não houvesse um controle velado de uma  hierarquia que nunca se desfez de verdade. E isso não é errado de forma alguma. Só se torna errado quando você diz que a cultura de gestão é uma, mas executa outra. Sou sortudo por ter trabalhado em empresas que tentavam mesclar uma gestão mais flexível, embora hierarquizada, onde todos tem alguma autonomia.

Quando definimos para nossa vida metas desconectadas da nossa individualidade mais profunda e quando vestimos os rostos de outras pessoas, não permanecemos na potência do nosso ser. Inevitavelmente, nos sentimos incapazes e investimos muita energia tentando superar nossas fraquezas ou culpando outros e nós mesmos por não sermos quem pensamos que deveríamos ser. — Laloux, Frederic. Reinventando as Organizações

O alto escalão de TODAS as empresas deveriam ler esse livro. Não para revolucionarem suas empresas atuais de forma imediata, mas pra mudarem (ou reforçarem) suas formas de gestão e então imbuirem seus negócios com uma cultura que realmente cause impacto nas pessoas ligadas às empresas.

Eu conhecia alguns dos cases mencionados no livro, como a Valve, por exemplo, mas os exemplos que começam a ser citados a partir do capítulo 2 explodiram minha cabeça. O livro não explica no detalhe como essas empresas se organizaram ou os passos táticos que os gestores e alta liderança trilharam para realizar os feitos. Acho que essa é uma enorme oportunidade pra autores como o Frederic Laloux.

Mudar é difícil por causa da forte influência da cultura tradicional, principalmente na vida pessoal

Manter e organizar empresas ou times no formato proposto e exemplificado no livro é difícil. Embora exista momentos em que o autor disse que é possível, a coisa não é fácil, sobretudo quando você tenta aplicar algumas práticas de auto-gestão em empresas que tem uma estrutura hierárquica tradicional forte. Por sorte, trabalho hoje em uma empresa que permite aplicar algumas das premissas e da pra ver que o desconhecimento e a desconfiança das pessoas afeta bastante o processo. Escrevi um artigo chamado Sobre receber e dar autonomia, que mostra como é difícil alguém aprender a usar e a receber autonomia da sua liderança. As pessoas estão tão acostumadas a uma estrutura de comando e controle que elas se perdem com tanto poder (no sentido de poder realizar algo). E isso não acontece apenas na sua profissional, mas também na pessoal: igreja, família, amigos, Colegio... em todos esses pontos da vida, há uma hierarquia, com regras exclusivas e rígidas que precisam ser seguidas sob o olhar de alguém acima de você.

Tudo baseado na confiança

Acho que a confiança é quesito mais importante para criar organizações baseadas nos princípios de auto-gestão.

Você precisa delegar não só algumas, mas todas as decisões para todas as pessoas. O CEO não toma decisão alguma sobre qualquer coisa. Obviamente há restrições a seguir: ninguém pode simplesmente tomar uma decisão, sem antes se aconselhar com todas as partes impactadas. Veja bem:

Se a ideia for boa, todas as partes irão aceitar e seguir a ideia sem problemas algum, por viram valor maquilou;

Se a ideia for ruim, as partes irão dissuadir a pessoa de não aplicar a ideia, por que ainda há pontos a resolver ou discutir;

Se mesmo assim a pessoa (ou grupo) decidir  aplicar a ideia sem consultar ou tentando forçar uma adoção, as partes podem simplesmente não adotar a proposta e a ideia morre por inanição;

Você tem o direito de tentar sugerir e aplicar qualquer coisa que queira, e o grupo tem o direito de ajudá-lo ou não.

quanto mais complexa nossa visão de mundo e nossa cognição, maior é a efetividade para lidarmos com os problemas que se apresentam. — Laloux, Frederic. Reinventando as Organizações

Um exemplo no livro de uma empresa de peças industriais, sobretudo automotivas, chamada FAVI, onde um dos integrantes dos time, chamado Frank, entendeu que a empresa poderia ser mais inovadora se eles explorassem novas máquinas, processos e novos materiais. Então, ele queria assumir a responsabilidade de sair pelo mundo procurando novas tecnologias e processos para melhorar a fabricação. Ele falou (pediu conselho) para o CEO, Zobrist, que achou que ele tinha um ótimo perfil pra isso e motivou a fazê-lo.

Atrás da fachada e da bravata, a vida de um líder corporativo poderoso também é um sofrimento silencioso. Sua atividade frenética é muitas vezes a cobertura perversa de um profundo senso de vazio interior. — Laloux, Frederic. Reinventando as Organizações

Contudo, nesse caso, não era Zobrist que decidiria sobre o papel dele, então Frank deveria provar que esse papel tem valor pra empresa e para os times. Então ele começou a viajar o mundo procurando o que a fábrica pudesse usar e melhorar seus processos. Uma sexta-feira por mês, Frank fazia uma apresentação, aberta, para quem quisesse assistir. Ele informava o assunto que seria abordado na descrição do compromisso e então áreas e pessoas que estivessem interessadas estavam livres para comparecer. Como funcionaria:

Se os colegas vissem valor nessa responsabilidade e comparecesse nas reuniões, haveria um indicativo de que essa responsabilidade estava entregando valor para o time.

Se as pessoas aplicassem as ideias trazidas e realizassem mudanças sugeridas, sua responsabilidade de solitária poderia se tornar um time, aumentando a potência do trabalho já feito (um time de Research e Inovação, por exemplo).

Se as pessoas não comparecessem, provavelmente ninguém estaria vendo valor naquilo, e ele deveria encontrar uma nova responsabilidade ou iniciativa na fábrica.

Foi um sucesso! Frank tem viajado o mundo, procurando novas tecnologias e novos fornecedores. Ele trabalha sem um orçamento e sem alvos, como todos os outros na FAVI. Ele é confiável para ser sensato em suas despesas de viagem e hotel. Cerca de uma vez por mês, ele volta à fábrica numa manhã de sexta-feira e realiza uma conferência para compartilhar suas descobertas. O tema determina quem dentre os operadores ou engenheiros aparece na conferência. Se as pessoas escolherem participar da reunião e captar suas ideias é prova de que seu papel é valioso. Se, em algum momento, os colegas pararem de ir às reuniões das manhãs de sexta-feira, seu papel naturalmente deixará de existir. Nesse caso, Frank precisaria encontrar um novo papel para si próprio, possivelmente juntando-se a uma equipe como operador de máquina – Página 100, Reinventando Organizações

Esse tipo de confiança deve ser construída. Como eu disse antes: estamos tão acostumados a sermos direcionados, a não lidarmos com autonomia, a não tomarmos decisões difíceis na empresa por medo ou receio das consequências que cenários de alta liberdade como o exemplo acima estão totalmente fora do nosso radar.

Concluindo

Achei o início do livro muito “esotérico”. Ele se refere a empresas que tem uma gestão flat, onde as pessoas tem um altíssimo poder de decisão nas pontas, onde não há hierarquia quase nenhuma e os funcionários não tem um cargo específico, como empresas que contribuem para uma nova consciência humana. Achei muito mítico e utópico a forma como ele aborda o assunto. Parece que o autor tira a carga técnica que vemos em livros comuns de gestão e negócios e coloca no lugar um sentimento mais espiritual pra coisa.

Contudo, ignorando o “esoterismo” e se apegando ao foco de gestão e estruturas organizacionais, o livro é ótimo. Eu realmente quero começar a aplicar ideias e atitudes de auto-gestão em meus times e fundamentar mais a minha atitude de dar mais autonomia e alinhamento para os times tomarem decisões. Eu mesmo tenho muito a aprender nesse quesito de “direcionar” sem ser “diretivo”. Sutilezas que mudam tudo.

Referências:

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